A incrível aventura do brasileiro que deu a volta ao mundo entrevistando e fotografando crianças
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Quando completou 19 anos, o gaúcho Felipe Pereira (hoje com 21) caiu na estrada para dar a volta ao mundo. Não foi uma viagem qualquer. “Rodei o planeta entrevistando e fotografando crianças, na missão de reaprender, através das palavras e dos olhares delas, a me manter jovem”. O resultado é o livro Jovem o Suficiente, que ele está lançando agora, via financiamento coletivo (crowdfunding) através da plataforma Catarse (clique aqui para saber mais sobre o projeto e reservar o seu exemplar!).
Seu objetivo inicial era levantar R$ 11 500 para produção e envio de livros a quem apoiasse a iniciativa. Bombou. A 40 dias de encerrar o processo de levantamento de fundos (ou seja, com muito chão pela frente), ele já arrecadou mais de R$ 18 mil e viabilizou o sonho.
Felipe merece todo esse sucesso. Ele entrou em contato comigo este final de semana para divulgar a sua ideia. Meio minuto depois de dar play no vídeo lá de cima (que você precisa ver), já estava com nó na garganta e lagriminha nos olhos. Trocamos vários e-mails e fui ficando cada vez mais interessada na história e no jeito de pensar de Felipe. Desde a maneira insólita com que financiou a viagem de um ano e meio, participando de concursos culturais, à odisseia que viveu (que teve de atentado terrorista a uma operação num hospital sinistro da Bulgária), a aventura mais do que justifica um livro, implora por ser contada. E o que dizer das entrevistas com crianças mundo afora? “Crianças têm medos raros e mundanos, e sonhos abundantes e fantasiosos. Adultos têm medos abundantes e fantasiosos, e sonhos raros e mundanos. Cabe a nós decidirmos o que queremos”.
Fiquei tão tocada com o conjunto da obra de Felipe porque, de certa forma, senti que “eu sou ele amanhã”. Tenho 38 anos, o dobro da idade que ele tinha ao fazer essa viagem. Mas penso e vivo de acordo com uma meta muito parecida com a dele – tendo a sorte de ter alguém do meu lado que segue a mesma filosofia. Passamos pelo menos 4 meses ao ano viajando (fizemos isso nos últimos 9 anos), não temos filhos (por opção, pela liberdade que isso traz), não temos emprego fixo (e nem pretendemos voltar a ter), não temos nada de valor (carro, roupa, joia, móveis), vivemos com o que cabe numa mala ou duas. Só que, no meu caso, não idealizei isso de uma forma tão clara como Felipe — e é essa visão desde cedo que acho brilhante e corajosa. Ele quer ter o espírito jovem para sempre e, no fim das contas, o que eu quero é isso mesmo: não perder a leveza jamais. Sinta-se livre para chamar isso de Síndrome de Peter Pan.
Abaixo, a entrevista que fiz com Felipe. Recomendo ver o vídeo antes de ler:
Como era a sua vida antes da volta ao mundo?
Nasci em Porto Alegre, mas cresci em Campinas. Também morei na Austrália e em São Paulo antes de começar a minha volta ao mundo. Cursei até a metade do curso de Comunicação Social, e foi aí que cheguei no meu limite. Vendo de perto meus amigos envelhecerem e esquecerem daquilo que sempre os moveu, decidi trancar a faculdade e partir pra essa viagem sozinho.
Quando aconteceu a “partida” do seu amigo que inspirou a sua viagem? Como isso mudou a sua vida?
Muitos me perguntam se meu amigo morreu, mas não foi isso que aconteceu (pelo menos literalmente). Ele sempre foi o mais bagunceiro da turma: entrava em festas de bico, dava apelidos pra todo mundo, vivia aprontando na aula… Era provavelmente o pior aluno da sala, mas o mais querido pelos professores. No fundo, era impossível ficar um minuto do lado dele sem ser contagiado por sua gargalhada. Até que, de repente, perdi o contato com toda essa alegria. Meu amigo partiu: decidiu se isolar num lugar incomunicável, sem telefone ou coisa do gênero, e lá ficou por anos, sem que nos falássemos, passando por um amadurecimento forçado. Foi a gota d’água: se ele, que era o menino mais jovem que eu já tinha conhecido, desistiu da jornada que planejávamos juntos desde a infância, ou eu partia sozinho, ou abandonava o sonho também.
*Nota: Obviamente perguntei a Felipe o que aconteceu com seu amigo, mas esta é umas das histórias que ele faz questão de “guardar” para o livro.
Como você bancou a sua viagem?
Durante a adolescência, passei dois anos entrando em concursos culturais – aqueles nos quais a “resposta mais criativa” para uma pergunta é premiada. Ganhei mais de 20, vendi todos os prêmios pela internet, e juntei algo perto de 30 mil reais.
Conheço muita gente que deu a volta ao mundo, mas você é provavelmente o mais jovem deles. Acha que 19 anos foi uma boa idade pra isso?
Tenho muita satisfação em ter feito a viagem com essa idade. Corri alguns riscos que podia ter evitado se fosse mais maduro. Mas não deixei de aproveitar nada por ser bastante novo – muito pelo contrário. Além do mais, era um momento no qual eu não tinha muitas amarras: sem namorada, sem emprego fixo, podendo trancar a faculdade…
Sua família o apoiou? Você foi pressionado a não ir?
O sonho sempre foi compartilhado com minha família. A pressão só rolou de verdade quando eu tive um contratempo que me fez passar por uma cirurgia de emergência num hospital na Bulgária. Aí pausei a viagem, fiquei algumas semanas me recuperando no Brasil, e minha mãe não queria de jeito nenhum que eu saísse do repouso e voltasse a viajar. Mas não teve jeito, logo eu estava na estrada de novo.
Por que você bate tanto nessa questão do envelhecimento (ou de deixar de ser jovem) se tem apenas 21 anos?
Porque foi chocante o que aconteceu com meu melhor amigo. Sempre temi, de certa forma, perder o ímpeto juvenil pelo novo, essa curiosidade insaciável da criança. Mas quando meu amigo – minha inspiração! – escolheu um caminho que eu julgava ser “adulto demais”, a ficha caiu. Todos ao meu redor faziam escolhas parecidas. Era o momento de eu fazer a minha.
No vídeo você diz que até preferia não ter viajado sozinho. Você tentou convencer amigos a embarcar nessa com você?
Cansei de tentar. A resposta era sempre parecida. Todo mundo morria de vontade, mas não podia por causa de algum compromisso com a rotina: trabalho, faculdade, relacionamentos… Eu também tinha compromissos do gênero, só que tinha um compromisso ainda maior com meu sonho de infância.
Qual o lado bom de viajar sozinho? E o lado ruim?
Vejo relacionamentos como agasalhos num dia frio: quanto mais tem, mais confortável fica, mas menos consegue se mexer. Liberdade é solidão, ao meu ver. Eu rumava para onde queria, quando queria, e não precisava combinar rotas e datas com ninguém. Não que eu romantize a liberdade como muitos livros e filmes fazem. O lado ruim de viajar sozinho é não ter com quem contar durante algum perrengue, além de não ter com quem dividir uma coisa incrível pela qual acabou de passar.
Você diz que “viu gente perder a vida” e deixa a entender que passou por algumas situações de risco dramático. O que aconteceu?
Foram três vezes em que tive medo de verdade. A primeira foi na ocasião dessa cirurgia, num antigo hospital soviético, na Bulgária, onde os banheiros nem tinham sabonete, e eu não entendia nada do que me falavam. A segunda foi no sudeste da Ásia, onde um atentado terrorista escancarou, para mim, o quão efêmera a felicidade pode ser. A terceira – e pior, provavelmente – é uma longa história: só lendo o livro pra saber.
Ok, deixemos a terceira para o livro. Mas que atentado foi esse?
Esse atentado aconteceu em Java, na Indonésia. Não é o assunto sobre o qual mais gosto de falar (inclusive ter escrito a respeito, no livro, me ajudou a lidar com ele), porque mexeu bastante comigo. Há alguns movimentos separatistas que operam no Sudeste da Ásia, às vezes sob influência de lideranças islâmicas, e que são notavelmente presentes na Indonésia – não só em Bali. Acontecem atentados pontuais pelo país, grandes e pequenos, e muitos não são nem noticiados. Passei um tempo em uma vila à beira mar, super simples, linda, e um belo dia correu a notícia de que uma moto tinha sido explodida por um homem, ali perto. Acontece que eu conhecia esse homem! Eu tinha vivido a rotina da vila por um bom tempo e também a criança que infelizmente faleceu no ocorrido. É difícil culpar alguém: o homem tinha sua família, motivações, crenças… A história é longa: prometo que no livro é melhor explicada.
Que lugar/país marcou mais você? Por que?
Os lugares nos quais passei mais tempo: Indonésia, Nepal e Laos. Pela pureza dos olhares das crianças. Dizem que quanto menos um povo tem, mais ele tem a oferecer – e eu concordo. Os lugares mais simples que visitei foram os que melhor me receberam. Tem alguma coisa em comum entre os sorrisos cheios de vida da meninada desses lugares, uma fome de vida que não cabe em palavras, e que talvez a fotografia ajude a entender.
Quais seus planos de vida daqui pra frente?
Uma vez me garantiram que a fórmula da juventude é seguir realizando sonhos. A cada vez que se faz isso, rejuvenesce-se um bocado. Meu plano, então, é continuar perseguindo sonhos: publicar esse livro e fazer com que a mensagem inspire o máximo de pessoas a se manterem jovens e apaixonadas pela vida. Terminar a faculdade e dar algum orgulho para meus pais, depois de tudo por que passaram. Manter o contato com as crianças e com o espírito delas. Não quero parar de fotografá-las e aprender com suas palavras jamais. Quem sabe transformar a ideia num filme?
Quantas crianças você entrevistou?
Entrevistei quase 60, mas, no livro, aprofundo o encontro com pouco mais de uma dúzia.
Qual foi a principal lição que você aprendeu com as crianças que entrevistou?
Crianças tem medos raros e mundanos, e sonhos abundantes e fantasiosos. Adultos tem medos abundantes e fantasiosos, e sonhos raros e mundanos. Cabe a nós decidirmos o que queremos.
Todas as fotos acima foram cedidas pelo Felipe.
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