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Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Alentejo: a calma, os vinhos e o céu estrelado da roça de Portugal

O que escasseia nos grandes centros urbanos sobra nessa região ao sul do país. Veja experiências imperdíveis em Monsaraz, Beja e Évora

Por Adriana Setti
Atualizado em 2 fev 2024, 14h09 - Publicado em 24 nov 2023, 15h55

Era outubro, mas os termômetros ainda marcavam 34oC quando visitei o castelo de Monsaraz, que resguarda o vale do Guadiana há mais de mil anos e viu passar romanos, visigodos, muçulmanos e reis católicos. Caminhando sob um sol que fazia resplandecer as fachadas caiadas, invejei um senhor sentado numa nesga de sombra, observando o vaivém de turistas suados. “Os locais é que sabem”, pensei. Maria Gamado, a ótima guia que me acompanhava, puxou papo com ele, seu Manuel, que contou ser um dos 32 habitantes que restam na vila. “Mas sou o único que mora no lado esquerdo”, fez questão de dizer.

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A vista do castelo de Monsaraz, um resumo do que o Alentejo tem de melhor: vastidão, silêncio e calma (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

O que sobra no quintal de seu Manuel escasseia nos grandes centros urbanos. E é justamente o que muita gente procura ao visitar o Alentejo: vastidão, calma e silêncio. Maior região de Portugal, o “além do Tejo” corresponde a 30% do país, ao mesmo tempo que registra a menor densidade demográfica — 24 habitantes por km2, segundo dados do CIMAC.

Da “janela” de pedra que emoldura a paisagem do alto do anfiteatro de Monsaraz, uma imagem resume a paisagem. Oliveiras e sobreiros (a árvore da cortiça, produto emblemático da região) forram colinas suaves e planícies até onde a vista alcança. Aqui e acolá, castelos medievais e vilas que parecem paradas no tempo.

O verde e o marrom são interrompidos apenas pelo Grande Lago de Alqueva, o maior da Europa Ocidental, que faz as vezes de “mar interior” de Portugal — com direito a praias. Nessa roça regida por um ritmo próprio, ovelhas atravessam a estrada sem pressa e senhores de boina observam, da calçada, o passar das estações do ano.

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Um sem fim de oliveiras que sobe e desce colinas suaves até onde a vista alcança (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

Um brinde à tranquilidade

“Aqui a gente assiste a grama crescer”, brinca o enólogo Aníbal Coutinho pouco antes de pilotar um workshop na Vinipax, a animada feira de vinhos de Beja, principal cidade de uma zona que vem despontando como nova promessa no Alentejo. Afinal de contas, por trás da calma aparente, há muita coisa acontecendo na maior região produtora de vinhos de Portugal.

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Com cerca de 22 mil hectares de vinhedos, essa zona produz alguns dos rótulos mais famosos do país e é um playground a céu aberto pra quem curte enoturismo e gastronomia. Não à toa, “tem se tornado um feérico destino de peregrinação para aqueles que querem conjugar tranquilidade com boa comida em uma das zonas mais emblemáticas de Portugal”, como diz o jornalista Rafael Tonon nesta matéria.

Um bom exemplo de como a grande roça portuguesa pode ser vanguardista é o L’AND Vineyards, um dos primeiros hotéis a levar a arquitetura contemporânea para a região. A 105 km de Lisboa, tendo como pano de fundo o castelo medieval de Montemor-o-Novo, o edifício foi concebido como um prisma articulado, com janelas que emolduram os vinhedos dos arredores com suas linhas assimétricas. No interior, assinado pelo arquiteto brasileiro Marcio Kogan, madeira de carvalho e placas de ardósia preta do Alentejo conectam os ambientes ao seu entorno.

Além de produzir o seu próprio vinho, o hotel aproveita, como poucos, outro bem escasso que o Alentejo tem de sobra: escuridão. Cada vez mais raros no mundo, os lugares protegidos da poluição luminosa descansam os olhos e permitem enxergar algo maior, o céu. É assim nas sky suites, onde claraboias colocadas estrategicamente sobre as camas permitem adormecer sob as estrelas. Já na varanda, o teto vazado deixa ver os astros no aconchego de um fire pit. O Spa Vinothérapie da Vinoble e o belíssimo restaurante, pilotado pelo chef Nuno Amaral, completam a experiência.

O edifício em forma de prisma do L'AND, onde tudo conspira a olhar pro céu.
O edifício em forma de prima do L’AND, onde tudo conspira pra olhar pro céu (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

“Assim como os hotéis de design com arquitetura assinada por grandes nomes de todo o mundo, vinícolas boutique, galerias de arte e bons museus chegaram para fazer companhia à rusticidade cheia de charme que sempre existiu, ainda num ritmo low profile”, define a jornalista Rachel Verano, que vive em Portugal, nesta matéria. Uma dessas vinícolas boutique é a Fitapreta, um projeto do enólogo António Maçanita, descrito como “inconformado, disruptivo e ousado”. Entre outras estrepolias enológicas do seu CV, ele foi um dos pioneiros a recuperar a tradição do vinho de talha (fermentado em ânfora de terracota), técnica de vinificação criada pelos romanos e que é um dos hypes do momento no mundinho da rolha.

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Na sede alentejana de seu pequeno império, a produção acontece em um galpão revestido de cortiça anexo ao Paço do Morgado de Oliveira, um belíssimo palácio cuja origem remonta ao século 14. O visitante pode optar por vários tipos de degustação, nas quais os vinhos da casa são harmonizados com frios e queijos regionais. Masterclasses esporádicas com o próprio enólogo e/ou sua equipe também fazem parte do menu de enoturismo da Fitapreta.

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Eu Alentejo, tu Alentejas

Nessa área tão vasta, que vai do Atlântico até a fronteira com a Espanha, cabem muitos tipos de viagens. Há quem dê só uma espiadinha, não se afastando muito de Lisboa em dois ou três dias; outros preferem um grande giro pra explorar também o litoral e há quem escolha um hotel no campo pra descansar, tomar sol e bebericar vinho na beira da piscina.

Mas, de certa forma, todos os caminhos levam a Évora, capital alentejana, cujo centro histórico é coroado pelo Templo de Diana, uma impressionante construção romana do século 1. Bem no coração da região, essa vibrante cidade universitária é uma ótima base pra quem quer sossego, pero no mucho. Entre um bate e volta e outro, dá pra provar alguns dos melhores restaurantes do país, como o Tua Madre, o Cavalariça e o tradicional Fialho.

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O Templo de Diana na animadíssima Évora (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

Por mais suave que seja um bate-volta de Lisboa a Évora (são 135 km e também dá pra ir de trem), há muitos bons motivos pra ir além. Monsaraz, onde seu Manuel vive quase só, por exemplo, não só é um dos vilarejos mais icônicos, como também está cercado de paisagens belíssimas. Mais ao norte, Estremoz, Vila Viçosa e Marvão são outras preciosidades que merecem ser vistas sem pressa. É no Alentejo mais profundo, afinal de contas, que você realmente vai conseguir ter a sensação de estar no “meio do nada”. Esse nada tão raro hoje em dia, repleto de silêncio, escuridão e calma.

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Nascer do sol no Monte da Estrela, um espetáculo alentejano (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

Experiências pra incluir na viagem

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Escabeche de coelho do Cavalariça (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

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