O que um spa de detox está fazendo dentro de uma vinícola de Franciacorta?
A julgar pela quantidade de gente que circulava de roupão branco pra lá e pra cá numa insuspeita terça-feira do final de outubro, a combinação inusitada funciona: um spa de desintoxicação dentro de uma vinícola. “Tem gente que vem para uma semana de degustação de vinhos e depois emenda numa purificação”, me contou uma das médicas responsáveis pelo spa Chenot, assinado pelo médico francês Henri Chenot. Ambas as realidades – detox e intox – convivem em paz no L’Albereta, um hotel com aval da rede Relais & Châteaux cercado pelos vinhedos da vinícola Bellavista. Parece um pouco bipolar, mas é a receita do sucesso do melhor hotel da região de Franciacorta (tema do post anterior), onde são produzidos os melhores espumantes da Itália (esqueça o prosecco!).
A turma do detox conta com um restaurante especial, o Benessere, onde alimentos purificantes são servidos em apresentações de encher (pelo menos) os olhos. Nada de carne ou álcool no menu, por supuesto. Para molhar a garganta, a pedida são as infusões incrementadas que fazem parte do método Chenot. Enquanto isso, a facção do intox (à qual obviamente me aliei) tem à disposição um bistrô e um restaurante de alta cozinha, o Leonfelice, recém inaugurado. Ambos têm vista para o lago e decoração moderna – um contraponto aos ares senhoriais dos quartos do hotel, com cama de dossel, estampas florais, móveis clássicos de madeira e banheiro-latifúndio de mármore.
No bistrô, as porções são generosíssimas. Dá pra nadar de braçada na melhor burrata da sua vida, por exemplo, que ainda por cima é do tamanho de uma bola de futebol de salão. A cozinha é assinada pelo jovem chef executivo Fabio Abbattista, que mostra a que veio no novo Leonfelice. Os pratos são belíssimos e primam pela objetividade das receitas, com foco no ingrediente e na pureza do sabor. Fui ao delírio com o menu degustação (€ 90) que provei na chef’s table, posicionada numa salinha privê anexa à cozinha. Enguia assada com pepinos e maçã verde para começar. Tortelli recheado com burrata e caviar para decolar. Peixe galo (John Dory) com manjericão e pimentão como prato forte. Isso tudo regado a uma seleção matadora de vinhos.
Apesar da pompa do lugar, o clima é informal. Mesmo porque não dá pra ser muito aristocrático de roupão (com o qual a etiqueta local permite circular por quase todos os ambientes, com exceção do restaurante principal). O tratamento Chenot é baseado num método que combina a medicina chinesa com um sistema de diagnóstico e aparelhagem high-tech. Apesar do caráter medicinal, o processo é prazeroso: envolve banho de lama com contraste de temperaturas, massagens, hidromassagem, entre muitos outros procedimentos, que podem ser aliados a tratamentos estéticos. Apesar de ter devorado uma tagliata de carne e matado umas taças de espumante Franciacorta minutos antes de me submeter a um test drive (“veja essa bola embaixo do seu joelho, você está cheia de toxinas”, me disse a médica com cruel precisão). Acho até que saí de lá me sentindo um pouco mais “limpa”. Até a hora do jantar.
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