Nós, brasileiros, somos mesmo um povo sortudo à mesa. Graças ao nosso histórico de imigração num passado relativamente recente, crescemos achando normal comer comida libanesa num dia, armena no outro, grega aqui e ali, um bom bacalhau como só na Terrinha, uma paella digna de Espanha, um japa que não faria feio em Tóquio… A italiana, então, é praticamente sinônimo de comida de dia a dia, no melhor dos sentidos: preparamos em casa com maestria, fazemos filas na porta dos melhores restaurantes, não passamos um único domingo sem macarronada ou pizza.
Mas basta sair do Brasil para nos depararmos com uma realidade diferente. Regra geral, na Espanha a cozinha é espanhola, na Grécia a cozinha é grega, no Japão a cozinha é japonesa, na Itália é italiana e aqui em Portugal… é portuguesa, claro. Longe de mim reclamar das altas e macias postas de bacalhau, dos polvos feitos à perfeição no carvão, das amêijoas, alheiras e açordas. Pelo contrário, sou adepta de privilegiar sempre a comida típica e amo muito tudo isso – tanto que quase não sinto falta de otras cositas más. Quase. Porque descobrir que o país está se abrindo com comiseração e sem exageros aos sabores do mundo tem sido uma delícia.
Eu já falei aqui do SUD, em Belém, que tem menu de sotaque italiano e recebe remessas semanais de burrata fresquíssima diretamente da região da Campanha. Também já contei da proliferação de pizzarias com massa de fermentação lenta e toppings de qualidade – adoro a Zero Zero e a In Bocca al Lupo. Ainda não tive a oportunidade de conhecer o Fiametta, mix de empório e restaurante no Campo de Ourique, mas está no topo da minha lista. Mas nos últimos dias fui desbravar dois recantos que me fizeram sentir em casa e entender que a tendência, aparentemente, chegou para ficar.
O primeiro deles foi o Memoria, que ocupa uma casinha simpática de porta e janelas vermelhas no número 26A da Rua 4 da Infantaria, no Campo de Ourique. A melhor surpresa fica nos fundos: um quintal delicioso, com direito a árvore, muro de pedra e mesinhas ao ar livre (devidamente aquecidas no inverno). Todas as massas são feitas artesanalmente in loco: seja para os pratos da seção de “pasta fresca”, seja para as pizzas assadas em forno a lenha.
Para começar, há queijos e frios vindos diretamente da Itália: presunto cru San Danielle com cura de 14 meses (€ 10), mortadela de Bolonha com trufa (€ 10), taleggio (€ 8), stracciatella (€ 14), parmigiano reggiano (€ 10)… De entrada, a burrata é servida com um gostoso pesto caseiro (€ 13) e os frutos do mar vão ao forno com uma cobertura de massa leve, tipo pão, que é quebrada à mesa (€ 14). No fim, uma massa de ovos cozida na hora desembarca para ser misturada ao molho do fundo. Uma agradável surpresa que não aparece no cardápio!
Entre as massas, destaque para o pappardelle ao ragu de coelho, cozido lentamente (€ 14), e o ravióli com castanhas, queijo fontina e alho-poró, coroado com lascas de trufas negras (€ 17). Mesas grandes têm um alento: receitas fartas servidas em travessas, oficialmente para três pessoas (extra-oficialmente para quatro). Entre as opções, linguini nero com frutos do mar (€ 38) e espaguete com tomate e burrata (€ 35).
A lista de pizzas inclui da clássica margherita à quatro queijos, passando por combinações como burrata e presunto cru ou pancetta, abóbora e ricota. Não provei desta vez, mas os valores variam dos € 9 aos € 14. Para encerrar, o tiramisù (€ 5) é servido diretamente da travessa com uma grande colherada. E viva a grande famiglia!
Já no Chiado, em pleno Largo Bordalo Pinheiro, a outra descoberta tem mais ares de bar do que de restaurante. E, de fato, é uma ode aos típicos cafés italianos, com perfis distintos ao longo do dia. Inaugurado no final do ano, o Caffè di Marzano serve panquecas, ovos e bowls de manhã, acompanhados de um belo espresso, per favore (de 8h às 12h); massas e pequenos pratos na hora do almoço (12h às 16h); e se transforma em uma baladinha à noite (16h à meia-noite).
Chegamos às 21h, e as mesas já estavam animadas ao som de clássicos da disco music. O pequeno mezanino é uma graça, e descortina a pracinha em frente através da imensa fachada de vidro. Para abrir os trabalhos, o simpático Nelson nos recomendou o Moot William Hinton, um delicioso vermute bianco da Madeira (€ 5), e um Negroni (€ 8). Na sequência, passamos para o vinho e as comidinhas do menu. A tábua de queijos e frios pode ser montada com um ingrediente (€ 4) ou três (€ 10,50). O taleggio e o presunto cru – minha obsessão – estavam ótimos, mas o gorgonzola brilhou na companhia da noz pecan.
Os pratos são simples e, por isso mesmo, uma delícia. O espaguete à bolonhesa (€ 7,50) estava no ponto, e o molho com pedacinhos de cenoura me lembrou a infância. Depois de saber que o forno era elétrico, não botei muita fé na pizza, mas resolvi arriscar a de funghi e speck (€ 7,50) – que foi uma agradável surpresa. As massas (bio e levíssimas) vêm de bicicleta da vizinha e irmã Valdo Gatti. O grand finale foi o mesmo: tiramisù (€ 3,50).
Em ambos os casos, vale dizer, não estamos falando de alta gastronomia ou de cozinhas tradicionalíssimas e fiéis da boa e vecchia Itália. São endereços gostosos e, acima de tudo, despretensiosos. Assim como o risoto na casa do amigo ou a pizza do domingo, que deixam o programa sempre com gosto de quero mais.
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