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Brasileira superou relação abusiva e ganhou o mundo

Inspirada pelo best-seller Comer, Rezar, Amar, a paranaense Silvinha Mantovani abraçou o mundo e escreveu o próprio livro sobre essa jornada

Por Mirela Mazzola
Atualizado em 8 mar 2023, 11h18 - Publicado em 30 dez 2020, 09h02
Silvinha Mantovani no Caminho de Santiago de Compostela (Instagram/Reprodução)
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“Um passaporte salvou minha vida”. É como a paranaense Silvinha Mantovani, 42 anos, se refere à jornada que começou com o fim de um relacionamento abusivo vivido em Barcelona, onde reside desde 2006. 

Foi lá que conheceu o ex-companheiro, com quem, segundo conta, teve uma relação baseada em proibições e ameaças a sua vida e de sua família. Aos 36 anos e com a carreira totalmente fragilizada, Silvinha, que é formada em direito, juntou as economias que tinha, cerca de 25 mil reais, e fugiu para a Irlanda. De lá, traçou o objetivo de conhecer 40 países antes de completar 40 anos. A meta foi cumprida na Índia, quatro meses antes do 40º aniversário. 

Inspirada pelo best-seller Comer, Rezar, Amar, de Elizabeth Gilbert, escreveu o próprio livro por meio de financiamento coletivo. 40 antes dos 40 (Editora Feliz) está à venda nas versões física e digital. Em conversa com a VT, Silvinha, que também mantém um perfil no Instagram (@40antesdos40), compartilhou experiências e dicas de viagem, além de refletir sobre questões de gênero para a mulher viajante.

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Quando você criou a meta de conhecer 40 países antes dos 40 anos?

Estava deprimida e viajei de Barcelona para Roma como uma espécie de fuga emocional. Eu lembro de cada detalhe, da compra do pacote ao embarque. Criei esse projeto pessoal no Vaticano, durante a celebração que o Papa faz às quartas-feiras. Foi um dia muito emocionante, em que rezei, chorei e pedi a Deus que me desse forças para trilhar um caminho novo. Costumo dizer que no fundo do meu poço tinha um passaporte – e que esse passaporte salvou minha vida. A fuga do relacionamento abusivo em que me encontrava foi acontecer três meses depois, na Irlanda.

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Como foi esse processo de decisão?

Escolhi a Irlanda por logística e por, naquele momento, ser o único país europeu que permitia que se trabalhasse com visto de estudante – eu não queria ficar ilegal em nenhum outro lugar. Minha cidadania espanhola estava tramitando e por isso eu não podia ficar mais que seis meses longe do território espanhol. Então a Irlanda foi perfeita nesse sentido. Eu poderia trabalhar, aprender inglês e com a [companhia aérea low-cost] Ryanair, conseguir voos baratos para Espanha quando fosse preciso.

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Qual foi a viagem mais marcante nessa jornada?

A que me levou ao país de número 40. A Índia roubou meu coração! Não só por representar o  cumprimento da meta, mas porque foi a pior e a melhor viagem da minha vida. Era um misto de perrengue com bendições. Literalmente, em um dia acontecia algo ruim e no outro, algo maravilhoso, que beirava o divino. Em Nova Délhi, por exemplo, contratei um transfer para sair do aeroporto porque já era noite, mas o motorista se perdeu no caminho para o hotel. Rodamos três horas perdidos em uma favela e, toda vez que ele descia para pedir informação, eu ficava sozinha no carro e tinha que abaixar a cabeça porque os homens do lugar se aproximavam e ficavam olhando para dentro. No dia seguinte, não consegui sair do hotel de tanta dor causada pela tensão. Minha sorte foi que no voo eu tinha conhecido um casal de indianos que me ofereceu ajuda. Entrei em contato com eles depois desse perrengue e dali para frente tudo deu certo na cidade. 

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Qual foi a maior dificuldade que passou enquanto cumpria a meta dos 40 países?

Passei por vários perrengues durante as minhas viagens, como quando todos os cartões foram bloqueados e me vi em Malta com apenas 8 euros. Mas a minha maior dificuldade era trabalhar, juntar dinheiro e me organizar para conseguir visitar 40 países antes dos 40 anos – fui babá, faxineira de loja e descarreguei caixas de frutas e legumes durante um inverno rigoroso. Uns 80% do mérito de eu ter conseguido essa proeza foi o planejamento.  

E quais são suas dicas nesse sentido?

Sem se planejar vai ser muito difícil conseguir boas promoções. No meu caso, passo horas na frente do computador procurando passagens e hospedagem, pesquisando sobre o destino… Mas sei que muita gente não tem tempo nem paciência para isso. Então eu costumo dizer que viajar na baixa temporada e estar aberto para mudanças de rota e até de destino são boas maneiras de economizar. Por outro lado, nem toda economia é inteligente: eu, por exemplo, costumo comprar passagem direto no site da companhia aérea, pois minha experiência mostrou que se houver algum problema é mais fácil resolver. Outra coisa é deixar a frescura em casa: costumo dormir em hostels ou em Airbnb. 

Tem algo que o viajante só descobre quando chega ao destino?

Com o tempo, aprendi a resistir ao impulso da passagem mais barata e a avaliar também custos como passeios e alimentação naquele lugar. Hoje, tento me cercar ao máximo desse tipo de informação. Já estava no Oriente Médio quando descobri, por exemplo, que chegar na Jordânia a partir de Jerusalém e de Israel, é muito caro, e que entrar em Petra é caríssimo. Então, por mais que você consiga chegar por um preço razoável, pode ser muito caro depois. 

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Em qual país se sentiu mais vulnerável na condição de mulher? 

O fato de ter nascido mulher já me torna vulnerável em qualquer lugar do mundo, mas claro que há países mais conservadores que outros. Passei muitas situações complicadas, mas uma que marcou aconteceu em uma loja de almofadas no Gran Bazar, em Istambul. Entrei e o dono começou a querer me agarrar. Estava sozinha e parecia que as almofadas abafavam o som – se acontecesse qualquer coisa comigo ali ninguém iria escutar. Mantive a calma, fui conversando com ele enquanto ia em direção a pequena porta e saí correndo. 

Entre os países que visitou, em algum deles se sentiu em casa?

Dificilmente não me adapto aos lugares que vou. Pode parecer loucura, mas na Índia eu sentia como se já tivesse vivido ali em outra vida. Era em déjà vu atrás do outro. Comecei por Punjab, perto da fronteira com o Paquistão, onde está o Golden Temple, centro de adoração da religião siquista, onde ninguém pode passar fome – fala-se em 100 mil refeições servidas ali gratuitamente, por dia! A viagem terminou em Varanasi, a cidade da morte e onde pessoas moribundas esperam ela chegar nas margens do Ganges. É muito impressionante. A Índia tem vários mundos em um só país e me marcou tanto que voltei no ano seguinte. Gostaria de morar um tempo por lá. 

Quais são os melhores países para quem quer viajar sozinha?

Para quem está começando a se aventurar, diria para considerar Argentina, Chile e Uruguai, mas também o Peru, onde tive uma experiência muito tranquila. Na Europa, Portugal, pelo idioma, além de Espanha e Itália, que têm alguma familiaridade com a nossa cultura. Os países nórdicos, por serem muito seguros e desenvolvidos, também são uma boa pedida.

Antes de se mudar para a Europa, você chegou a fazer turismo no Brasil? 

Já viajei muito pelo nosso país. Eu gosto de todo tipo de destino, mas no Brasil amo conhecer as belezas naturais. Fui algumas vezes ao Pantanal e fico de coração partido em ver as queimadas que assolaram a região em 2020. Outro lugar que eu adoro, e que fica no meu próprio estado, o Paraná, são as Cataratas de Iguaçu. Tenho certeza que elas merecem o título de uma das Sete Maravilhas Naturais do mundo. 

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Como a pandemia afetou seus planos em 2020?

Eu estava no Brasil no início da pandemia e voltei para Barcelona quando o país já estava começando a flexibilizar a quarentena. Em março eu tinha acabado de lançar meu livro e o ano estava todo planejado: no primeiro semestre eu faria eventos de lançamento e daria palestras no Brasil; no segundo iria para a África visitar todos países do continente com uma startup espanhola. Como aconteceu com muita gente, vi todos os esses planos irem por água abaixo.

O que diria às mulheres que não têm coragem de se aventurar em viagens solo? 

Se joguem, meninas! Um bom jeito de começar é sair sozinha à noite, ir jantar, depois partir para viagens curtas e em destinos próximos. Isso tudo dá autoconfiança e, quando você notar, estará cruzando oceanos por aí. 

E o que você diria para aquelas que estão em relacionamentos abusivos e não conseguem sair dessa situação?

Eu sei bem que não é fácil sair de uma relação abusiva, mas existe luz no fim do túnel. A escuridão pode ser difícil de atravessar, mas a luz da sua liberdade vale qualquer jornada difícil. Busque ajuda, seja com a família ou amigos de confiança. Apoie-se em que está perto de você para não cruzar esse momento sozinha.

Qual foi sua grande descoberta nessa jornada de autoconhecimento?  

Mais que autoconhecimento, foi uma jornada de autodescobrimento. Esse calvário que vivi fez com que eu me perdesse de mim. A melhor descoberta foi a de me reencontrar comigo mesma em cada pedacinho desse mundão. 

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