A essa altura, o Brasil inteiro já deve estar ciente da tragédia que aconteceu em Capitólio no sábado (8), quando um paredão rochoso do cânion de Furnas se desprendeu e atingiu quatro lanchas, deixando um triste saldo de 10 mortos e 32 feridos. O vídeo abaixo, de conteúdo sensível, registrou o momento em que os barcos são atingidos.
As imagens mostram um processo que é natural dos cânions. Segundo o geólogo Daniel Cardoso, especializado em geociências do meio ambiente, “os movimentos que resultaram na queda da coluna são fenômenos comuns e que fazem parte dos processos de formação da superfície do planeta”. O agravante, no caso de Capitólio, é que as rochas que compõem o cânion de Furnas são sedimentares e porosas, o que facilita a entrada de água e acaba por enfraquecer a estrutura interna. Com o tempo, esse processo de erosão vai formando fraturas verticais, que dão o aspecto recortado das paredes.
https://twitter.com/otempo/status/1479848764940640258?s=20
A coluna que se desprendeu no cânion de Furnas estava não só com essa fratura vertical, como também com a base enfraquecida devido ao contato constante com a água. O resultado é que, em dado momento, ela se desprendeu como uma fatia de bolo. Para entender o fenômeno, é necessário ainda levar em consideração as condições meteorológicas: as fortes chuvas são recorrentes em Capitólio entre dezembro e março.
Além de acelerarem o processo de erosão, os aguaceiros estão relacionados às “cabeças d’água”, maneira como é chamado o aumento repentino no volume de água causado pelas chuvas nas nascentes (ou cabeças). Isso forma ondas nos rios comparáveis aos tsunamis nos mares, considerando as devidas proporções. O fenômeno é parcialmente responsável pela queda ocorrida no último sábado (8). O vídeo a seguir mostra que, minutos antes do acidente, o volume de água da cachoeira aumenta drasticamente de uma hora para a outra:
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Apesar de os termos “tromba d’água” e “cabeça d’água” serem utilizados como sinônimos, eles representam fenômenos diferentes. Enquanto a cabeça d’água é o aumento rápido do volume de rios por causa das chuvas, a tromba d’água é um fenômeno meteorológico no qual formam-se colunas de água que lembram tornados. Em Capitólio, a causa do acidente foi uma cabeça d’água.
Segurança no turismo de aventura
“Aventura é todo o empreendimento cujo resultado é incerto. Dessa forma, o turismo de aventura, por definição, sempre envolve riscos”, afirma Luis Del Vigna, diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA). A questão é que, apesar de alguns acontecimentos não poderem ser previstos com exatidão, geralmente existem sinais de alerta aos quais é preciso estar atento. No caso de Capitólio, realmente não era possível prever que naquele momento haveria a queda de um bloco rochoso, mas existiam, sim, sinais de que uma cabeça d’água estava por vir.
A responsabilidade de conhecer e interpretar esses sinais de alerta cabe principalmente às autoridades e guias locais. Os viajantes que não possuem experiência com natureza ou aventura devem buscar passeios de empresas comprometidas com a segurança, que atuam em conformidade com a Lei Geral do Turismo e o Código de Defesa do Consumidor (os comentários na página da empresa no Facebook, TripAdvisor e fóruns de discussão podem ajudar na escolha). Além disso, é papel da gestão pública fiscalizar os prestadores de serviços turísticos locais, concedendo ou não o alvará de funcionamento.
=> Mesmo que não esteja chovendo no local onde você se encontra, as chuvas em outras áreas do rio podem causar o aumento no fluxo d’água, principalmente no verão. Além de observar se há nuvens na parte alta do rio ou da cachoeira, vale olhar a previsão do tempo antes de sair de casa, já que podem acontecer mudanças meteorológicas repentinas.
=> O aumento na correnteza e no nível da água também podem ser sinais de que uma cabeça d’água se aproxima.
=> É comum ouvir um estrondo antes do aumento do volume da água, sinal de que um grande volume se desprendeu.
=> Repare no que flutua ao seu redor: antes da chegada da cabeça d’água, é comum ver uma quantidade maior de galhos e folhas boiando no rio.
Uma prática comum entre as empresas de ecoturismo é fazer com que os clientes assinem termos de isenção de responsabilidade por eventuais acidentes. Del Vigna, da ABETA, afirma que tal ação é irregular. “A legislação não reconhece esse documento: o vendedor do passeio sempre é responsável pelo seu cliente”, explica. O que existe sim é o dever da empresa de informar o consumidor sobre os riscos do passeio, ter em seu quadro guias que estejam aptos para instruir sobre a atividade que será feita, conhecimento sobre a área onde opera e, a partir disso, criar planos de emergência para prevenir possíveis acidentes.
Assim como em qualquer outro destino de ecoturismo do Brasil, isso vale para Capitólio, onde os operadores de lancha locais devem seguir as regras nacionais de segurança. O diretor da ABETA aponta que os visitantes tinham que estar informados sobre os riscos de fazer o passeio durante o período de chuvas e que os condutores deveriam ter deixado o local assim que aconteceu o aumento no volume de água da cachoeira.
Del Vigna também alerta para a necessidade de criar um sistema de segurança melhor para a região de Furnas. “Talvez delimitando a área de utilização dos barcos”, sugere. No mais, é preciso praticar o turismo de aventura consciente das imprevisibilidades da natureza e valorizar os profissionais da área que sejam devidamente qualificados.