De um lado, praias de águas calmas e azuis lembram uma imensa piscina. Do outro, ondas se chocam violentamente contra uma barreira de corais. No meio, uma ilhota de 10 quilômetros de extensão e de ridículos 20 a 400 metros de largura, onde a altitude máxima alcança a marca dos… 4 metros. Estamos em Funafuti, a capital de Tuvalu, o quarto menor país do mundo – depois do Vaticano, de Mônaco e de Nauru, este também na Oceania. Com uma área total de 26 quilômetros quadrados e menos de 11 mil habitantes, o arquipélago é formado por 30 ilhas e nove atóis. Seu nome significa “grupo de oito”, em razão das únicas oito ilhas habitadas do arquipélago. O lugar vive da pesca, de doações do Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia e dos royalties gerados pelo uso do prefixo telefônico 900 e do domínio “.tv” por sitesde internet. Não é fácil chegar a esse paraíso de praias vazias do Oceano Pacífico. Partindo do Brasil, são necessários três dias de viagem e várias escalas. O único aeroporto local recebe apenas um voo semanal, vindo da vizinha Fiji, e o avião fica ali parado por cinco dias para só então fazer a viagem de volta.
Minha história com Tuvalu começou em 2010 em Copenhague, na Dinamarca, quando foi realizada a COP-15, a conferênciada ONU sobre mudanças climáticas. Tuvalu era a bola da vez no encontro, pois inúmeros cientistas diziam que seria a primeira nação a desaparecer completamente do planeta por causa do aquecimento global. Toda a população teria, assim, de migrar, uma cultura toda sumiria por completo e suas belas praias seriam apenas uma triste memória em um cartão postal. Em resumo: Tuvalu seria engolido pelo mar. Antes que esse dia do juízo final chegasse, eu tinha de ir até lá.
Depois de passar por aquela que é provavelmente a menor alfândega do planeta, já dá para perceber quão real é a ameaça climática para Tuvalu. O país é impressionantemente pequeno. Para ter uma ideia, a pista de pouso (uma grande rua asfaltada no meio da capital) é a maior referência geográfica local. Não existem cercas, seguranças ou proteção. Famílias se aglomeram nas cercanias dela para receber os visitantes; os hotéis e guest houses ficam a poucos passos dali; e, para se locomover, você vai cruzar a própria pista algumas vezes ao dia. Scooters são o meio de transporte favorito e podem ser alugadas sem dificuldades em uma lojinha que fica a poucos metros do aeroporto, do hotel, do restaurante…Passear de uma ponta a outra da ilha em uma dessas motos não leva mais de 20 minutos.
Existe apenas um hotel na ilha, o Vaiaku Lagi (vaiakulagi@gmail.com; diárias desde US$ 100), com 16 quartos e vista privilegiada para a praia. Mas também é possível se hospedar na casa dos moradores locais pela metade do preço e ter a chance de experimentar a verdadeira vida da ilha. O clima familiar das guest houses compensa. Funciona mais ou menos assim: a matriarca coordena a administração e o restaurante no pátio externo, as filhas trabalham na arrumação dos quartos, o café da manhã é tomado em conjunto na cozinha… a sala fica reservada para um momento de relax após um dia cheio na praia, e todos se reúnem em torno da velha tv para assistir a alguma partida de rúgbi. Mas o grande atrativo de Tuvalu é mesmo a sua beleza natural. O atol de Funafuti lembra uma imensa lagoa azul e sua costa interna é uma sucessão de praias desertas. Menos de mil turistas visitam o remoto local anualmente. Como a maior parte deles é formada por ativistas ambientais que vão em missões que não incluem pescarias nem manhãs tranquilas ao sol, as chances de esbarrar com outros visitantes na praia são bastante baixas.
Para conhecer outras ilhas e atóis, só com a ajuda de um navio cargueiro, que visita as regiões mais distantes em intervalos de três a quatro semanas e pode dar uma “carona” aos mais aventureiros. Não existem acomodações, restaurantes ou mercados. É necessário levar barraca, provisões e um kit de primeiros socorros por garantia. Mas os locais garantem que o visual é ainda mais belo que o da já estonteante capital e compensa qualquer sacrifício. Para os mais pacatos, há a opçãode um passeio pelas ilhas mais próximas. Por pouco mais de US$ 20, você sai em um pequeno barco de pesca e 40 minutos depois está em uma ilha deserta. O preço inclui máscaras de mergulho para desbravar o ambiente enquanto o barqueiro grelha um peixe arpoado ali mesmo, na hora. Um isopor carregado de cerveja gelada, sucos e refrigerantes completa a festa na areia. Outras dessas ilhas menores já fizeram parte do mesmo roteiro, mas os nativos dizem que parte delas já foi completamente engolida pelas águas nas últimas décadas. O cemitério de palmeiras, que é possível ver em um rápido mergulho próximo à margem, dá força ao argumento. Para os nossos amigos de Tuvalu, a hora de reverter essa preocupante situação é agora.
* André Fran é um dos idealizadores do programa Não Conta Lá em Casa, exibido pelo canal Multishow. Ele já esteve em lugares como Coreia do Norte, Timor Leste, Mianmar, Iraque e Haiti
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