Só há um lugar no mundo onde antigos e clássicos Deux Chevaux dividem as ruas e estradinhas com Porsches conversíveis cravados de cristais (sim, estes olhos já viram), onde alguns dos maiores iates do planeta passeiam lado a lado com barquinhos de pescadores e onde os vizinhos podem ser tanto príncipes de verdade quanto divas como Brigitte Bardot.
Esse lugar é a Côte d’Azur, um trecho do litoral sul da França que se estende por cerca de 200 quilômetros entre as cidadezinhas de Toulon e Menton, já na fronteira com a Itália.
Ali, onde os campos de lavanda provençais cedem espaço ao azul intenso do mar e o sol brilha mais de 300 dias por ano, as estrelas Michelin se contam às dezenas, os atores e atrizes mais badalados do momento douram seus corpos às franjas do Mediterrâneo e a vida segue embalada pelas borbulhas do vinho da casa – que pode facilmente ser um Veuve Clicquot, por exemplo.
Mas é também nessa região que se escondem lindos campos de flores colhidas à mão para fabricar perfumes, restaurantezinhos de poucas mesas onde o chef brilha usando apenas os legumes da horta e vilas medievais que ainda seguem o ritmo dos jogos de boules.
Esqueça a Riviera Francesa do oba-oba dos clubes de Saint-Tropez, da badalação dos festivais de cinema e de publicidade de Cannes, dos pomposos edifícios art déco à beira-mar de Nice. Nossa proposta é mergulhar sem pressa em vilinhas despretensiosas e sentir na pele por que Picasso, Chagall e Renoir caíram de amores e nunca mais quiseram ir embora.
1. GRASSE
Entre os meses de maio e junho, os campos se colorem de cor-de-rosa. Entre agosto e outubro, as flores mudam de cor: são brancas. O fato é que, em qualquer altura, sopra uma brisa suave e perfumada em toda a região. As rosas centifólias (também conhecidas como rosas de maio) e os jasmins que crescem nos arredores de Grasse são colhidos à mão, artesanalmente, há décadas e décadas e já nascem com um futuro brilhante garantido: vão assinar mais da metade dos aromas dos melhores perfumes do mundo.
Conhecida como a capital mundial das fragrâncias, a vila é o berço do Chanel Nº 5 – e, desde a escolha da quinta fórmula (daí o nome) desenvolvida por um profissional local para a própria Coco Chanel, a maison ainda mantém seus campos exclusivos de jasmim na região. O mesmo acontece com a Dior – é, inclusive, possível visitá-los, no Domaine de Manon.
A mais recente grife a cair nos encantos locais foi a Louis Vuitton, que lançou, em 2016, sua primeira linha de perfumes e abriu um atelier no Centro da cidadezinha. Mas a badalação local para por aqui.
Grasse, a 19 quilômetros de Cannes (e, portanto, do mar), se esparrama aos pés das montanhas do Verdon e mantém o clima típico de cidadezinha do interior. Vale visitar as perfumarias mais antigas da cidade – a Galimard, de 1742, e a Fragonard, de 1782 – e conhecer os aparatos antigos expostos em seus museus, além de acompanhar o passo a passo da produção dos perfumes.
Na hora do almoço, uma das melhores pedidas no centrinho é o Lou Pignatoun. Por trás de sua fachada de pedra enfeitada com floreiras nas janelas é servido um famoso aioli para acompanhar legumes e bacalhau. Para uma experiência gourmet, o chef Jacques Chibois propõe delícias como a terrine de foie gras de entrada, a lagosta no carvão de prato principal e a torta de chocolate com gianduia e amaretto para finalizar, em seu restaurante La Bastide Saint Antoine .
A propriedade abriga também um hotel, com diárias desde 288 euros. Mais intimista e cercado de um lindo jardim com piscina, o Le Mas du Naoc fica estrategicamente localizado a dez minutos do Centro, mas já no campo.
2. CAGNES-SUR-MER
A 14 quilômetros de distância de Nice, Cagnes-sur-Mer seria mais uma charmosa vilinha de pedra à beira das águas azuis do Mediterrâneo, como tantas outras, não fosse seu mais ilustre morador no século 20.
Cansado do frio das terras do norte do país, Pierre-Auguste Renoir mudou-se com a família para o balneário em 1905, e lá passou os últimos anos de sua vida até falecer, 14 anos mais tarde. Doze deles foram vividos em uma bela casa de três andares cercada por um frondoso jardim de oliveiras e laranjeiras, com uma bela vista da cidadezinha, batizada Domaine des Collettes.
Renoir não escondia sua paixão pelo lugar – e pintou dezenas de quadros retratando ora a casa, ora os jardins, ora a vista que se tinha dali -, muitos deles fazem hoje parte do acervo do Musée d’Orsay, em Paris. É fácil entender todo esse encanto ao visitar o que é agora o Musée Renoir.
Réplicas de suas obras estão espalhadas pelos cantinhos exatos onde ele as pintou. Dentro da casa, há 14 quadros originais e cômodos exatamente como o mestre os deixou – inclusive o seu ateliê. Para mergulhar com calma em seu cenário preferido, a pedida é se hospedar na região.
O melhor hotel local é o Château Le Cagnard. Fica lá um dos grandes restaurantes gourmet da área, onde pratos como o ravióli de foie gras com cogumelos chanterelles e alcachofras acompanham lindas vistas do mar. Uma opção mais rústica é o Fleur de Sel, com cozinha de mercado.
3. SAINT-PAUL-DE-VENCE
Há décadas, a cena é a mesma: faça chuva ou faça sol, há sempre alguém se aventurando no jogo de boules (também conhecido como pétanque – algo parecido com a bocha) na pracinha de areia à entrada da cidadela. Ali mesmo já se entra no clima da vila. Dentro das muralhas medievais, as ruelas e os becos estreitos levam a fontes centenárias, esquinas cheias de charme, casas com muros cobertos de heras e buganvílias.
Localizada no alto de rochedos acima da cidade de Vence, Saint-Paul descortina belas vistas do casario e das montanhas dos arredores. Mas a verdadeira vocação da cidadezinha é a sua veia artística. E não é só pelo fato de haver dezenas de galerias por lá.
Desde os anos 1920, a vila atrai artistas como ímã. Calder, Chagall, Picasso, Miró, Yves Montand… eram todos habitués. Para mergulhar na aura dessa época, um endereço é obrigatório: La Colombe d’Orsay Or, um restaurante e hospedaria que costumava trocar refeições e hospedagens por obras de arte. Hoje é um verdadeiro museu, com obras-primas que decoram da sala de refeições aos quartos.
A piscina exibe um imenso móbile de Calder e o terraço tem uma bela cerâmica de Fernand Leger, por exemplo. Passar a noite ali custa desde 250 euros. Outra atração incontornável é a Fondation Maeght, um impressionante museu de arte moderna e contemporânea que tem no obras de todos os mestres apaixonados pela região.
O Jardim de Esculturas é especial – reúne trabalhos de Giacometti, um labirinto de Miró e uma piscina idealizada por Braque. Deixe-se ficar com calma. Com ares de design, o hotel Toile Blanche tem quartos coloridinhos, uma bela piscina e um jardim de lavandas.
4. ÈZE
De um lado, a Riviera Italiana. Do outro, a baía de Saint-Tropez. Em dias claros ainda se descortina, lááá na frente, a silhueta da Ilha de Córsega. É a exatos 429 metros de altura que a pequenina Èze revela o seu maior trunfo: o mais belo panorama da Côte d’Azur, entre cactos e suculentas e aos pés das ruínas de um castelo do século 12.
Ali, no Jardin Exotique, que coroa o encantador sobe e desce de ruelas com calçadas de pedra, tem-se a noção exata de sua localização estratégica, a meio caminho entre Nice e o Principado de Mônaco. Foi essa paisagem que inspirou o filósofo alemão Nietzsche, no século 19, a escrever Assim Falou Zaratustra.
Hoje, a trilha que liga Èze a Èze-sur-Mer leva o seu nome. Não há, portanto, programa melhor do que tirar partido dos deslumbrantes ângulos locais. De preferência na companhia de um belo vinho, numa das varandas equilibradas nas encostas e debruçadas sobre o Mediterrâneo. Èze é a mais saborosa prova de que tamanho não é documento.
A despeito de seus menos de 3 mil habitantes, é um dos grandes destaques do Guia Michelin na região. Fica dentro do Château de La Chèvre d’Or, o aclamado restaurante de mesmo nome, dono de duas estrelas, onde se provam delícias como nhoque de polenta com trufas negras. E também o Les Ramparts, mais despretensioso. Ambos com mesinhas de camarote para o visual.
A vida na parte histórica de Èze é cara – além do La Chèvre d’Or, entre os hotéis há ainda o Château Eza. A pedida mais budget é a parte baixa da vila, onde fica o Hôtel Arc en Ciel e restaurantes gostosos.
5. MENTON
Há quem ache que depois de Mônaco tudo o que se vê no horizonte é Itália. Então uma curva da Autoestrada A-8 revela, lá embaixo, uma cidadezinha colorida, de fachadas em tons pastel, banhada por um mar azul de doer. Ainda estamos na França, mas os ares são italianos.
Menton é a típica cidade-balneário. Tem ruinhas à beira-mar recheadas de cafés, sorveterias, bistrôs com mesas ao ar livre. A marina parece cenografia – e a praia é logo ali (e é de areia). No centro histórico, o campanário da Basílica Saint-Michel-Archange, do século 17, é o maior cartão-postal. Mas a fama local, como quase tudo na região, tem nome e sobrenome: Jean Cocteau.
Apaixonado pela cidade, o escritor, artista e cineasta passou longas temporadas por lá na primeira metade do século 20 e deixou rastros. O salão de casamentos da prefeitura foi decorado por ele, que também reformou o bastião para abrigar obras suas. Mais recentemente, a cidade inaugurou um belíssimo espaço de 2 700 metros quadrados assinado pelo famoso arquiteto Rudy Ricciotti à beira-mar na Plage du Fossan.
O recheio? Nada menos que o Musée Jean Coctea, com 990 obras dele e uma coleção permanente de outros artistas. Para curtir o clima de praia e calor, um dos melhores restaurantes é o Le Bistrot des Jardins, onde o chef Alain Delserre serve pratos como o risoto de camarões e alcachofras em um delicioso jardim.
Quem estiver à caça de constelações Michelin encontra duas estrelas no Mirazur , em um edifício dos anos 1930 à beira-mar. Para se hospedar, o Hotel Napoléon tem décor moderninho e boa relação custo/benefício.