Quinze dias depois da morte de Fidel Castro, cheguei a Havana. Apenas um acaso. A viagem já estava marcada. As razões? Queria ver de perto como é esse país muito falado e pouco conhecido. Contribuiu para a nossa decisão a visita do Barack Obama, que, além de firmar uma importante aproximação entre os países, deixou a dica de um restaurante muito bom, o Paladar San Cristóbal. E nós conferimos!
Não é um destino óbvio, é preciso ter um certo espírito aventureiro. Os nossos amigos ficaram muito curiosos com a nossa viagem. “Como é lá?”, “É verdade que falta tudo?”, “Tem censura?”, “Tem coisa pra fazer?”, “Qual é o maior shopping?” – são algumas perguntas frequentes. Ponto para Cuba, você faz sucesso nas rodinhas.
Não saímos a campo com caderninho para pesquisar como é a educação e as condições de vida do povo. E, felizmente, também não precisamos recorrer ao elogiado sistema de saúde cubano. Por mais que eu tire onda, essa é a visão de quem foi a Havana só como turista.
As cinzas de Fidel ainda estavam quentes quando chegamos à ilha. As opiniões sobre El Comandante se dividiam. Muitos lamentavam a morte dele, dizendo que a vida tinha melhorado, que finalmente tinham escola para os filhos, uma casa e um emprego.
Um vendedor de bebidas na praia fazia parte desse time. Via Fidel como um pai. “E um pai presente. Se tivesse uma enchente, ele aparecia; se houvesse um furacão, lá estava ele. Já o vi resolver até briga de rua!” Perguntado se não sentia falta de viver numa democracia, respondeu: “Eles lá em cima sabem o que fazem. E, depois, pra que eleição se temos esta praia maravilhosa?”
Outros reclamavam da falta de dinheiro e do medo de alguma consequência por terem a “boca nervosa”. Uma professora de crianças olhava para os lados, desconfiada, antes de se abrir: “Eles estão aí desde 1959, e o pobre continua pobre”. Falamos que, pelo menos agora, podia viajar. “Com que dinheiro?”, rebateu. “Além disso, eu sou solteira, só conseguiria um visto se me casasse com um estrangeiro.” Enfim, não parecia muito satisfeita.
Cuba dá sinais de mudanças, e o turismo é a mais evidente delas. Alguns cruzeiros lotavam a cidade. Os nativos tiravam proveito da situação, montando restaurantes, dirigindo táxis ou simplesmente se fantasiando de cubanos estereotipados para tirar fotos com os estrangeiros. Outros tentavam descolar uns trocados, oferecendo, discretamente, charutos, rum ou sexo – a prostituição não acabou.
Sem dúvida, o embargo dos Estados Unidos é um entrave. Imagino que, se a situação mudar, o país poderá crescer. Mais do que eleger o presidente cubano, eles gostariam de ter votado contra o Trump, que, se pudesse, cercaria a ilha com um muro.
Cuba, um país acolhedor, hermoso e em conta
A cidade cresceu a partir do porto, em torno do qual está Habana Vieja, o centro histórico. A seguir vêm o Centro Habana e o Paseo del Prado, a parte mais movimentada, onde vemos muitos prédios antigos mal conservados e caoticamente ocupados. Um entusiasta do regime castrista diria que são residências multifamiliares de baixa renda.
Traduzindo para o português: são cortiços, muitas vezes caindo aos pedaços, em que diversas famílias coabitam pequenos espaços – o déficit de moradia é um problema sério.
Mais adiante, está Vedado, onde as casas com varanda lembram a periferia de uma grande cidade brasileira. Os palácios que pertenceram a famílias ricas hoje acolhem embaixadas ou órgãos do governo.
Circulando pela cidade, uma estranheza: não tem outdoors anunciando produtos! Apenas mensagens elogiosas ao governo, além de painéis em homenagem ao Fidel – poucos até, pra minha surpresa.
Uma das atrações é o badalado calçadão litorâneo do Malecón, onde os cubanos se reúnem pra ver o pôr do sol, namorar, ouvir música, passear e até pescar. Os carros velhos nos remetem a um filme antigo, da década de 50.
Em 15 minutos de Havana, você tem uma certeza absoluta: vai passear num daqueles carrões. Mas pechinche antes. Rodar pela orla num Chevrolet 55 é um prazer de que não dá pra abrir mão. Em Cuba, nem os carros se aposentam antes dos 60 anos!
As melhores praias dos arredores de Havana, Cuba
As melhores praias são fora da cidade, mas não muito longe. Santa Maria fica a 40 minutos de táxi (paguei CUC 20 pela corrida). Tem infraestrutura, como aluguel de cadeiras, bebidas e petiscos. O mar, como de todo o Caribe, é quente e azul. Estava vazia, apesar dos 30 graus. Os cubanos não vão à praia no inverno. Mais afastada, Mi Cayito é destino gay, uma novidade total, já que a homofobia era uma das marcas do governo autoritário. Sinal de que as coisas estão mudando na ilha! |
Um roteiro rápido pelo bairro de Habana Vieja
O melhor lugar para ficar e passear é o bairro de Habana Vieja. Os palácios e monumentos do século 18 – outros ainda mais antigos – comprovam o que lemos nos livros de história: no período colonial, Cuba era uma das economias mais pujantes das Américas.
Era a maior produtora de açúcar e o principal porto de exportação do Caribe para a Europa. A colonização espanhola deixou uma bela herança nas ruas e praças, com uma forte influência moura na arquitetura. Esse apogeu é um passado distante.
O país hoje tenta se reerguer de uma crise crônica, causada por diversos motivos: o bloqueio econômico americano, o fim da mesada da União Soviética e, sobretudo, a queda nas vendas das camisetas com estampa do Che Guevara.
Um programão é bater pernas pelas ruas do centro histórico, a começar pela Plaza de Armas, bonita e arborizada. Ali fica o Palacio de los Capitanes Generales, atual Museo de la Ciudad. Foi sede de diversos governos – e onde foi assinada a independência de Cuba do domínio espanhol.
Na época, o país passou para o controle dos Estados Unidos. Talvez venha daí a rivalidade entre eles. O vizinho Castillo de la Real Fuerza vale a visita. Foi terminado em 1577 para defesa da cidade. Mal localizado por ficar longe da entrada da baía, foi desativado. Hoje guarda tesouros e maquetes das caravelas com as quais os espanhóis dominaram os mares do Caribe.
Na praça, você pode encontrar suvenires, como livros antigos – principalmente sobre Fidel e Che -, cartazes de filmes, pôsteres e boinas do Che Guevara, e relíquias como o Álbum de la Revolución Cubana, com figurinhas que contam a aventura dos guerrilheiros que tomaram o poder em 1959. Era uma forma atraente de contar para as crianças a versão oficial da história.
Pra tirar onda em Cuba
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Ali perto fica a Calle Oficios, onde há museus, como o Del Automóvil, e a Casa del Árabe, que abrigou a primeira escola de Havana, no século 17, e hoje expõe presentes que Fidel recebeu de governantes de países do Oriente Médio.
A Calle Obispo é uma aula de arquitetura colonial, com as fachadas dos prédios totalmente restauradas, farmácias antigas e ainda a casa mais antiga da cidade, de 1648, residência do bispo de Havana, que morreu bem antes do Fidel.
Deixe o GPS no hotel e se perca sem medo – a cidade é bem segura, não há assaltos nem batedores de carteira, mesmo tarde da noite. Se você gosta de daiquiri, passe na El Floridita: foi lá que inventaram esse drinque. Não deixe de tomar um mojito no famoso bar La Bodeguita del Medio. Ernest Hemingway espera por você. É um programa bem turístico, mas o que é você, afinal?
Nesse espírito, passe no Museo de la Revolución, no Centro Habana. Antiga sede do governo, tem as paredes cravejadas de tiros, de uma tentativa frustrada do então futuro ditador Fidel de derrubar o ditador em exercício, Fulgencio Batista. Ali há fotos de Che, Fidel e Camilo Cienfuegos, o Ringo Starr da revolução.
No jardim, estão tanques e jipes usados pelos guerrilheiros. Destaque para o Granma, iate com que os guerrilheiros invadiram Cuba, vindos do México. Até hoje, é o mais célebre cruzeiro do país.
Saindo do centro histórico, um passeio fora dos padrões é o Callejón del Hamel, santuário afro-cubano a céu aberto onde há cultos de santería, o candomblé local, e shows de rumba aos domingos. É uma pequena vila no bairro de Cayo Hueso decorada com grafites e pinturas representando deuses e demônios africanos. Os orixás de lá são os mesmos de cá, assim como as táticas utilizadas pelos escravos para preservar a sua fé. Vale muito!
A minha conclusão é que visitar Cuba reforça as suas convicções. Se você odeia o capitalismo, volta falando maravilhas do projeto socialista. Se você odeia o comunismo, volta certo de que tem razão. Dificilmente essa viagem mudará a sua visão de mundo, mas todos vão parar pra ouvir as suas histórias. O que mais quer um viajante?
Texto publicado na edição 258 da Revista Viagem e Turismo