Yellowstone, Grand Teton e Glacier, por Hélio de la Peña
Três parques nacionais americanos em uma mesma viagem é a garantia de paisagens surreais, fervilhantes, congelantes, enfim, do casseta
![](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/gettyimages-984768406.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
Tem gente que, quando fala em férias, logo se vê deitada numa rede, tirando uma soneca. Nossa ideia foi outra. Embarcamos numa aventura com a National Geographic Expeditions para três parques nacionais americanos: Yellowstone e Grand Teton, no estado de Wyoming, e Glacier, em Montana.
Wyoming é um dos estados mais quadrados dos EUA. Não só por votar em peso em Trump mas por suas fronteiras geometricamente desenhadas. É o décimo em tamanho e o menos populoso. Apesar de ter um povo conservador e machista, é um marco no empoderamento feminino, pois foi o primeiro estado em que as mulheres conquistaram o direito ao voto.
Aliás, as mulheres da região sempre estiveram habituadas a proteger suas propriedades na base da bala. São boas de mira, o que faz com que seus maridos pensem duas vezes antes de pular a cerca. Curiosamente, sua população de antilocapras, um pequeno e rápido antílope, é maior que a de seres humanos. Apesar disso, não têm direito a voto.
É um estado pouco conhecido, talvez devido à dificuldade de se pronunciar seu nome, “Uaiôumim”, que os mineiros entendem como “Uai, hômi?” O plano era passar alguns dias caminhando, suando, remando, tirando fotos de animais silvestres (será que veremos o urso Zé Colmeia?) e de paisagens bonitas pra matar amigos de inveja e ganhar muitos likes no Instagram e no Facebook. Afinal, não é pra isso que servem as viagens?
GRAND TETON: Amigo Urso, Saudações!
Antes de dar nossos primeiros passos na mata, um alerta. Nosso guia, Josh Mahan, nos apresentou a algo assustador: um spray antiurso que teríamos de portar o tempo todo nos nossos passeios a partir dali. Isso mesmo! Estávamos entrando numa região em que podíamos encontrar um urso. No início, ficamos excitados, logo imaginando aquela selfie épica com um parente do Zé Colmeia.
![Parque Nacional de Grand Teton, Estados Unidos Vista do parque nacional de Grand Teton](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/29903369661_5e2ecd98c8_o-1.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
À medida que ele explicava, a excitação dava lugar a um certo medo, que podia ser confundido com pânico moderado ou cagaço extremo. Os ursos são animais extremamente agressivos. Ficar cara a cara com uma dessas criaturas pode ser uma experiência difícil de contar para os amigos que não conversam com mortos. O Grand Teton National Park, onde estávamos, não economizava sinais de “Cuidado, urso!”, “Não deixe lixo de bobeira!”, “Não largue comida pelo parque!”, “Não tente alimentar um urso!”, e outros, mais apavorantes.
Ok, não queremos mais encontrar um bichão desses, mas… E se? As instruções não foram exatamente tranquilizadoras. Primeiro, ao avistar um urso, não corra jamais. Ele interpretará como um pique e, como adora brincar, não vai sossegar enquanto não te pegar e te sacudir até transformá-lo num farrapo. A solução é ficar parado e torcer para ele te esquecer. Caso avance, se jogue no chão e se finja de morto. Se não souber fingir, não se preocupe, ele vai te ensinar.
![Parque Nacional de Grand Teton, Estados Unidos Ursos (e placas para evitá-los) são bastante comuns no Grand Teton](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/48915212671_e8780d6789_k.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
O spray antiurso parece uma inofensiva latinha de desodorante. Caso o animal ataque, você deve lançar um jato em sua direção. A nuvem tóxica irrita o olfato do urso, que tende a se afastar. Detalhe: não funciona se ele estiver muito longe. Você só deve acionar o spray quando o animal estiver a dois segundos de te atacar. Ou seja, melhor não precisar usar esse troço, né? O fato de estar aqui, escrevendo este relato, é a prova de que esse nosso encontro não aconteceu. Adeus, selfie épica…
Enquanto fotografamos as pontudas Montanhas Rochosas, o guia nos explica que a cordilheira é jovem, mas formada por pedras antigas, elevadas pela movimentação das placas tectônicas. Avistamos Grand Teton, a montanha mais alta do parque. Descobrimos também por que ela é nua nos cumes e tem uma mata florida a seus pés. A neve que desce lava a montanha de nutrientes e os deposita na base, tornando a área mais fértil.
![Teton, Jackson Hole A montanha de Grand Teton](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2015/02/teton2.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Você esquece tudo isso quando chega ao Lago Taggart, um espelho que reflete a mata no seu entorno e as altas montanhas, de onde descem riachos gelados. Toda essa informação não vale nada se você não tirar uma boa foto. Não é difícil, a natureza ajuda você a se sentir o melhor fotógrafo do planeta.
YELLOWSTONE: Os Primeiros Passos
Começamos com o pé direito nessa estreia no Yellowstone, numa caminhada na trilha dos índios shoshones. Depois de passar numa região sombreada por pinheiros, chegamos a um vale amplo e florido. É uma área de origem vulcânica – portanto, com solo fértil.
![Parque Nacional de Yellowstone, Estados Unidos Um dos muitos lagos de água quente em Yellowstone, nos Estados Unidos](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/19910205219_fe0e685bf6_k.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
O ponto alto do passeio foi uma represa feita por castores. Sem concorrência fraudulenta ou superfaturamento, os pequenos animais construíram uma barragem com galhos e folhas para represar um lago e garantir fartura de vegetação aquática e alimentar suas famílias. Sua dieta é feita pela Bela Gil. Os castores bem que podiam dar consultoria para autoridades brasileiras. Espero que o intercâmbio não saia pela culatra e eles voltem ao parque mestres nas manhas das maracutaias.
Chegamos aos pontos que fazem a fama do Yellowstone, as áreas vulcânicas e seus lagos termais. O Yellowstone National Park tem mais gêiseres que qualquer outro lugar do mundo. Ali, a crosta terrestre é extremamente fina, a camada de magma passa rente à superfície, tornando o solo frágil e furado como uma peneira. Olhando em volta (com alguém explicando, claro), vemos que o Yellowstone fica no topo da megacratera de um supervulcão ativo, que foi responsável por duas das maiores erupções na história do nosso planeta.
![Grand Prismatic Spring, Parque Nacional de Yellowstone, EUA Grand Prismatic Spring, Parque Nacional de Yellowstone, EUA](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/12/grand-prismatic-spring-yellowstone-alaskan-dude-creative-commons-1.jpeg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Por toda parte, vemos piscinas superaquecidas, numa mistura de água, enxofre e outras substâncias. Em alguns pontos, um gás de odor sulfúrico toma a superfície. É um cenário de ficção científica. Se você não puder viajar a Marte, sugiro que visite as caldeiras do Yellowstone – é o que temos de mais parecido aqui na Terra. Cientistas estudam a região para pesquisar a possibilidade de vida em outros planetas. Nas beiradas das bacias termais, vemos uma coloração alaranjada por causa da formação de bactérias e de micro-organismos. Elas são estudadas na busca de medicamentos para o combate a aids e certos tipos de câncer.
Não se anime a tomar um banhozinho de ofurô. Circulamos por passarelas para evitar pisar no solo frágil e instável. Turistas descolados, que achavam caretice esse negócio de se restringir às áreas permitidas, se aventuraram mais perto das caldeiras. O solo não resistiu e eles mergulharam no líquido borbulhante. Resultado: simplesmente derreteram. Nesses casos, o turista é laureado com o prêmio Darwin, que reconhece que um idiota a menos a propagar seus genes é um avanço para a espécie humana.
O gêiser mais visitado é o Old Faithful. Todo mundo quer ver aquele jato de vapor que escapa do solo e atinge grandes alturas. Alguns gêiseres são imprevisíveis. O maior deles é o Steamboat, mas nunca se sabe quando haverá uma erupção. O Old Faithful é mais amigável. Suas erupções acontecem a cada 90 minutos e são tão pontuais quanto um trem suíço.
![Parque Nacional de Yellowstone, Estados Unidos As erupções do Gêiser Old Faithful são tão pontuais quanto um trem suíço](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/38265194942_db4e3f7a4e_k.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
O turista pode se programar, dar suas voltinhas e, quando estiver chegando a hora do fenômeno, se senta a uma distância segura, prepara a câmera e aguarda. É ruidoso e tem um cheiro de enxofre, como se a Terra tivesse engolido algo estragado, não se segurou e soltou um poderoso peido molhado. O vapor atinge mais de 40 metros de altura e pode ser visto de longe.
Fizemos um deslocamento de uns 70 quilômetros pelo parque (de carro, claro!) para chegar aonde tudo começou. O Grand Canyon do Yellowstone, visto do Artist Point, é uma das paisagens mais impressionantes da América. O local ganhou esse nome depois que o pintor Thomas Moran parou naquele ponto e, boquiaberto com o carnaval de cores das escarpas, concluiu que tinha de convencer os congressistas americanos a criar ali o primeiro parque nacional do mundo. Na falta de Instagram, reproduziu o visual numa pintura e levou até Washington, DC. E não é que deu certo?
![Parque Nacional de Yellowstone, Estados Unidos Grand Canyon do Yellowstone visto do Artist Point](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/36920623072_a5b1263f72_k.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
O Rio Yellowstone que vemos lá embaixo tem uma longa viagem pela frente. Deságua no Rio Missouri, que, por sua vez, forma o Mississippi, que só sossega quando descansa nas águas do Caribe, depois de atravessar todo os Estados Unidos.
GLACIER: Avalanche Nada Caída
Depois de atravessar as cidades de Big Sky, Missoula, Big Fork e Whitefish, chegamos ao Glacier National Park. De cara, uma novidade. A floresta aqui é mais densa e úmida. Ao contrário das demais, que são monotemáticas com seus pinheiros e aparentados, aqui vemos algo semelhante às nossas rainforests. É uma região cortada por muitos rios e de solo rico e fertilizantes naturais, resultando numa vegetação variada.
![Glacier National Park, Estados Unidos Vista geral do Glacier National Park](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/48489899266_0576be21c0_k.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
A trilha de 10 quilômetros tem o mesmo nome do lago, Avalanche, fenômeno muito comum por ali. No inverno, as montanhas ficam cobertas de neve. A geografia acidentada favorece o fenômeno, que pode ser provocado até por um inocente cabrito montanhês. Um passo em falso e o bicho rola ladeira abaixo, formando aquela bola de neve de desenho animado. A diferença é que o cabrito não sobrevive. Os lobos agradecem: podem comer carne fresquinha sem precisar caçar.
O Avalanche Lake é uma das centenas de lagoas do parque, formadas pelo derretimento dos glaciares. A água, portanto, é bem gelada. Se você é dos que não resistem a um mergulhinho, se liga! Mesmo num dia quente, você pode sofrer uma violenta hipotermia e virar um picolé brazuca.
![Glacier National Park, Estados Unidos Avalanche Lake, no Glacier National Park](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/20902364262_f4b3078cb4_k.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Fomos levados ao lado leste do Glacier National Park, mais especificamente, à magnífica trilha do Saint Mary Lake. Depois de um passeio de barco pelo lago, chegamos a um pequeno porto, por onde descemos para caminhar 2,5 quilômetros até a cachoeira de mesmo nome. Uma paisagem espetacular. Margeamos o lago azul cercado por montanhas altas com neve permanente pelo meio de um bosque, marcado por troncos de árvores queimadas.
![Glacier National Park, Estados Unidos Saint Mary Lake, no Glacier National Park](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/23095638434_6e6e6afb9a_k.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Aqui, aprendemos que nem sempre um incêndio na mata é mau negócio. Nesse caso, a queimada fertiliza o solo e turbina o crescimento de um jardim florido, que contrasta com os troncos negros e as águas esverdeadas do lago. A cor que vemos na lagoa é uma ilusão criada pelas partículas minerais desprendidas das rochas, como ferro e cobre, além do líquen formado por bactérias em suspensão nas águas.
Pra fechar a aventura, um passeio de ônibus pela estrada mais panorâmica da América: a Going-to-the-Sun Road. A cada curva, uma paisagem espetacular. Atravessamos de leste a oeste por Logan Pass, ponto culminante da estrada, por onde passa a Continental Divide – a divisão continental, em que os rios que ali nascem escolhem se vão para o oeste, e desaguar no Pacífico, ou se põem a mochila nas costas e atravessam os “Stêites” até o Caribe. No Glacier, também tem a Triple Divide, em que rios rebeldes preferem rumar para o Ártico.
![Glacier National Park, Estados Unidos Vista da Going-to-the-Sun Road](https://gutenberg.viagemeturismo.abril.com.br/wp-content/uploads/2019/10/18749428614_1f836b1f07_k.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Um triste alerta: o aquecimento global está acabando com as geleiras. As fotos do início do século 20 e as atuais evidenciam o problema. Quem acha que é lenda urbana deveria dar um pulo até lá. A previsão é de que, em 2030, não exista mais neve permanente naquelas montanhas. Cientistas concordam que a Terra passa por fases mais quentes e outras mais frias, mas nunca os ciclos foram tão curtos. Desde a Revolução Industrial, a urbanização e o aumento da população, nossa casa se aquece num ritmo assustadoramente veloz.
Espero que a gente faça algo pra reverter essa tendência. Afinal, 2030 é logo ali, e eu quero voltar a esse lugar incrível.
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