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Mendoza com vinho, com esportes radicais, águas termais – e além

Vinhedos abraçados pela cordilheira, refeições que beiram o ritual, piscinas termais. Mendoza, na Argentina, é a verdadeira viagem dos sentidos

Por Maria Zacco
Atualizado em 11 dez 2021, 22h16 - Publicado em 22 fev 2016, 21h03

Mergulhada até o pescoço em uma piscina de água termal, eu olhava ao redor e o cenário era árido. Difícil crer que, mesmo cercada por pedras e cactos, pudessem emergir fontes de água quente. Ainda que não devesse ser uma surpresa: os mais de 1.500 vinícolas que prosperam na província argentina de Mendoza provam que essa terra erma é capaz de vencer muita adversidade. O começo da primavera, por exemplo, marca o início do degelo nos Andes, fazendo as águas deslizarem por entre cânions e montanhas, transformando a paisagem. O sol se encarrega de colorir pinheiros, flores, vinhedos e oliveiras. Mendoza produz alguns dos melhores vinhos do mundo, mas as experiências que o lugar reserva não se limitam ao desarrolhar de uma garrafa.

O melhor a fazer é, por conta própria e com um carro alugado, percorrer desoladas paisagens rochosas e assim experimentar, pelo menos um pouco, as mesmas incertezas que os missionários jesuítas enfrentaram, no século 17, quando aqui chegaram. Vindos do Chile, eles trouxeram na bagagem as primeiras vinhas.

A cidade de Mendoza é o ponto de partida. A Plaza Independencia, no centro, é conhecida por sua fonte de águas dançantes que avizinha, logo abaixo de sua esplanada, com o Museu Municipal de Arte Moderna e o Teatro Julio Quintanilla. Nos fins de semana, os artesãos locais exibem suas criações nessa praça, que se conecta com duas importantes vias da cidade: o Paseo Sarmiento, coração do centro comercial que mais adiante desemboca no Parque San Martín, lugar que abriga todo ano a Festa da Vindima; e a Avenida Mitre, que leva ao Centro Cívico. Nas imediações da Sarmiento você encontra bodegas-butique onde é possível degustar e comprar vinhos. Ali perto, a Rua Aristides Villanueva é sinônimo de vida noturna, com bares e pubs.

Plaza Independencia, Mendoza, Argentina
Plaza Independencia, o coração de Mendoza. Crédito: (Tim Makins/Getty Images)

Luján de Cuyo: a terra do malbec

Antes de percorrer os caminhos dos vinhos, o ideal é alugar um carro para se mover sem compromisso e parar onde bem entender. Do relógio, infelizmente, melhor não abrir mão, por causa da visita às vinícolas, principalmente as butiques, que exigem hora marcada. Minha escolha foi um conversível, modelo ideal para aproveitar o sol e o vento no trajeto. Existe um mito difundido de que é difícil dirigir por essas bandas, mas a verdade é que quase todos os caminhos acabam dando nas duas autoestradas principais: a Ruta 40 (de norte a sul) e a 7 (de leste a oeste), que devem ser combinadas em alguns trechos com estradas locais. Basta ter um GPS a bordo que não há erro.

A mítica Ruta 40, que corta o país do Ushuaia até a fronteira com a Bolívia, passa por Luján de Cuyo, uma das regiões vinícolas mais antigas da província, conhecida como “terra do malbec”, cepa que se deu muito bem naquele quinhão de terra graças à combinação de solo desértico e geadas na primavera. Ali se encontram bodegas renomadas, como Luigi Bosca, Senetiner, Séptima e Chandon, e outras menos conhecidas, como Vistalba, Weinert e Carmelo Patti – para citar apenas algumas.

Lujan de Cuyo Potrerillos Mendoza Argentina
Arrabaldes de Luján de Cuyo, uma das três regiões vinícolas de Mendoza. Crédito: (María Zacco/Arquivo pessoal)

Impossível visitar todas elas. Sugiro começar pela Carmelo Patti, pioneira no gênero “vinhos de autor”, que abriu mão de ter produções grandiosas, enólogos famosos e protocolos rígidos na elaboração de seus vinhos. A bodega fica a meros dez minutos do centro de Mendoza pela R40 sentido sul. A cerca de 200 metros, o que pode ser feito a pé, está a Luigi Bosca, da família Arizu. A primeira coisa que vi foram engradados repletos de uvas, em seguida os vinhedos e, mais atrás, a sede da bodega, que lembra uma típica villa italiana. O tour culminou com uma degustação de seus vinhos jovens, como o chardonnay com notas de pasto e frutas cítricas.

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Pegando um desvio por Roque Sáenz Peña, se chega à vinícola Vistalba, cinco quilômetros depois, em Chacras de Coria, uma região com um microclima especial no verão que favorece a explosão de verdes. Antecedendo à bodega, surgem os vinhedos, cujas largas fileiras coloridas de verde e ocre terminam aos pés do imponente Cordón del Plata, a 980 metros de altitude.

Cordón del Plata, Mendoza, Argentina
Vinhedos à frente, Cordón del Plata ao fundo: cenário mais que perfeito. Crédito: (Moment Open/Getty Images)

Em meio a uvas do tipo malbec, cabernet sauvignon e bonarda, cheguei ao meu destino, a bodega da família Pulenta (não confundir com a vinícola Pulenta, que também fica na região). Lá, tanto os vinhos quanto os espumantes e o azeite de oliva de produção própria podem ser degustados no impecável Wine Bar, combinados com menu de quatro etapas, um dos melhores da região (nunca é demais repetir: faça reserva). Na visita à adega subterrânea, é possível provar vinhos da linha premium.

Cerca de 12 quilômetros ao sul pela mesma R40, você pode ser enólogo por um dia. Depois de atravessar as águas do Rio Mendoza e suas margens cobertas de arbustos, chega-se à Bodega Renacer. A visita envolve aprender processos como poda das videiras, elaboração da bebida, mistura de uvas (os chamados cortes) e até etiquetagem de uma garrafa com um rótulo próprio, tudo isso em uma hora e meia. Saí de lá feliz com um vinho de minha autoria debaixo do braço.

Apenas 12 minutos depois, pela Calle Guardia Vieja e ladeado por altas montanhas, chega-se ao Entre Cielos Wine Hotel, cujo design moderno se integra muito bem à natureza. Se dirigir entre os vinhedos faz você se sentir em uma paisagem francesa, espere até conhecer o spa com um hamam típico do Marrocos. Relaxamento na piscina, banhos de ervas e massagem com sabonete de azeitonas vão deixar sua pele que é uma coisa! E a alma também.

Suíte do ENtre Cielos, Mendoza, Argentina
Suíte em meio aos vinhedos do hotel Entre Cielos. Crédito: (Entre Cielos/Divulgação)

Maipú: relax primeiro, vinho depois

Começar o dia com um toque de adrenalina não é nada mau, especialmente quando se trata de vencer os saltos do Rio Mendoza. Cerca de 47 quilômetros a oeste da Ruta Nacional e entrando em seguida na R7, chega-se a Potrerillos, cidadezinha à beira do Cordón del Prata que nos últimos anos se tornou point de aventureiros que curtem caiaque, hidrospeed (um tipo de moreyboogie) e rafting. Este último requer menos treinamento, ideal para iniciantes como eu. Nos trechos mais tranquilos, a calmaria e o silêncio dominam, perfeitos para contemplar os guanacos que vêm beber água nas encostas pedregosas.

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Potrerillos virou point de adoradores de esportes radicais. Crédito: National Geographic Image Collection/Alamy/Latin Stock ()

A região de Maipú, 30 quilômetros a leste de Mendoza, é outro conhecido enclave do vinho. A partir de Potrerillos, são 50 minutos de carro combinando a R7 com a R40. A paisagem vai mudando à medida que nos afastamos da cordilheira e no caminho surgem fileiras quase infinitas de álamos, sempre alaranjados na primavera, que mais adiante dão lugar a árvores frutíferas e, claro, vinhedos. Maipú abriga aproximadamente 20 vinícolas – como a Lopez e a Flichman -, cada uma com sua particularidade. No entanto, a mais cativante é a Zuccardi, vencedora do prêmio World’s Best Vineyards como a melhor vinícola do mundo, pelo terceiro ano consecutivo.

Os vinhedos podem ser percorridos a bordo de carros antigos, bicicleta ou num balão (isso mesmo!). Ela possui dois restaurantes. Na Casa del Visitante, você pode provar dois tipos de menu: o regional, com pratos tradicionais regados a azeite e vinho; ou o de seis etapas. Lá, eu também recomendo vivamente o restaurante Pan & Oliva, cercado de oliveiras e em frente ao moinho de onde se extrai azeite de oliva, outra atividade dos Zuccardi.

Vinícola Zuccardi
Tecnologia, cenário, degustação e alta gastronomia alçaram a Zuccardi ao pódio mais uma vez. Crédito: (Vinícola Zuccardi/Reprodução)

Valle do Uco: templo do vinho

O Valle de Uco, 70 quilômetros ao sul da cidade de Mendoza pela R40, é uma região que se estende desde a bacia do Rio Tunuyán até o sopé dos Andes e está a uma média de mil metros acima do nível do mar. A primavera é a melhor época para visitar, naquelas cercanias, o Parque Provincial Vulcão Tupungato, cujo cume nevado pode ser visto de diferentes pontos do vale e serve de GPS natural para os motoristas.

Valle do Uco, Mendoza, Argentina
Valle do Uco, Mendoza, Argentina. Crédito: (Alex Treadway/Getty Images)

Na mesma R40 está a Bodegas Salentein, um dos edifícios mais modernos e sublimes. Por dentro, lembra um templo medieval, tanto que alguns a chamam de catedral. Impressiona muito a cave circular que fica 8 metros abaixo do solo e abriga cinco mil barricas de carvalho francês. Próxima à bodega está a Posada Salentein, que oferece uma experiência fora de série: a majestosa cordilheira pode ser avistada de todos os ambientes, inclusive dos 16 quartos. O restaurante aberto ao público serve vários tipos de carne assados na lenha (recomendo o cordeiro).

Cave da vinícola Salentein, Mendoza, Argentina
A Cave da Salentein, em Valle de Uco, que fica a 8 metros metros abaixo do solo e abriga 5 mil barricas. Crédito: (Salentein/Divulgação)

O melhor upgrade

A Casa de Uco Wine Resort, a 35 quilômetros da Salentein pelas rodovias RP90 e 94, é o melhor upgrade que você poderá se dar nessa viagem. As imensas paredes de vidro conectam os distintos espaços que se fundem com a paisagem, como a horta, os vinhedos, o lago e a cordilheira. O jantar é quase uma cerimônia e fica sob o comando do chef Pablo Torres. No menu de três pratos, me encantei com o lombo com batatas crocantes e chimichurri de framboesa.

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Casa de Uco Vineyards & Wine Resort
A 1300 metros sobre o nível do mar, a paisagem dos vinhedos do Vale de Uco tem ao fundo, os picos cobertos de neve do Cordón del Plata. Crédito: (Casa de Uco Vineyards & Wine Resort/Divulgação)

Ao cruzar a R40 novamente, desta vez para o norte voltando para Mendoza, antes de pegar o rumo da cidade, resolvi entrar novamente em Luján de Cuyo para conhecer as Termas de Cacheuta (não confundir com o parque aquático, que fica ao lado, ideal para quem estiver com crianças). Lá dentro, precisei atravessar um túnel de pedra para chegar às piscininhas que se formam entre as rochas com temperaturas variando entre 32°C e 42°C. Pouco antes de o sol afundar no horizonte e eu imersa naquelas águas, um pensamento me assaltou: viva a adversidade!

Termas de Cacheuta, Mendoz, Argentina
Termas de Cacheuta e suas piscinas de água quente a brotar das entranhas da Terra. Crédito: (Termas de Cacheuta/Divulgação)
Esticada

Na fronteira com o Chile, a cerca de 220 quilômetros de Mendoza, estão o Parque Provincial Laguna del Diamante e o Vulcão Maipo. São 17 mil hectares em que é possível avistar espécies como o guanaco e o condor. O lago, que congela completamente no inverno e é ótimo para pesca de trutas no verão, foi formado dentro da antiga caldeira de um vulcão e está a 3 250 metros de altura. Além do majestoso Maipo, a região abriga centenas de outros vulcões. O degelo demora a ocorrer nessa área, muito próxima da cordilheira; portanto, é bom se informar sobre o acesso – que pode ficar interditado, com exceção do verão.

 

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